quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Milícia, grupo paramilitar, parapolicial ou "polícia mineira"?

A imprensa criou, caiu na boca do povo e se tornou o termo popular para se designar a organização criminosa que, tal como as quadrilhas de traficantes de drogas ilícitas, domina determinada comunidade carente pela força e violência e impõe suas normas em busca de ganhos com a exploração de atividades essenciais à mesma: milícia!


Mas "milícia" seria mesmo o termo apropriado para designar essas quadrilhas? Claro que não, até porque milícia, em bom português, significa uma organização militar oficial de pequeno porte, ou seja, é uma instituição regular, hierarquizada militarmente. É como as nossas Polícias Militares estaduais. Cada Unidade da Federação possui a sua organização militar, digamos, de pequeno porte, ou milícia, se comparada ao Exército, por exemplo.

Certamente em outras regiões do Brasil, como no Sul e no Nordeste, onde se fala um português mais autêntico, a associação do termo "milícia" com grupos criminosos do Rio de Janeiro não foi e não deve estar sendo muito bem compreendida até agora, em razão da sua literalidade. Aqui mesmo no Rio de Janeiro, como para mim, foi difícil digerir essa "imposição" dos nossos diretores de redação, pois sempre utilizamos o termo "miliciano" em nossos atos de polícia judiciária para nos referir a um policial militar.

"Polícia mineira" seria então mais adequado? Quem não é do Rio de Janeiro mais uma vez ficaria se perguntando do por quê "mineira". O que tem a ver Minas Gerais com isso? Tudo. Esse termo surge nas décadas de 60 e 70 quando policiais militares de Minas Gerais que atuavam nos municípios fronteiriços com o Rio de Janeiro "invadiam" uma cidade fluminense atrás de um delinqüente, e a turma comentava que a "polícia mineira" tinha entrado na cidade "fazendo e acontecendo". Os policiais mineiros tinham fama de violentos entre os cidadãos fluminenses pois eles iam atrás de criminosos mesmo em território alheio, e o levavam à força de volta para Minas Gerais valendo-se da presença escassa da polícia judiciária e da própria Justiça em ambos os lados, sem contar com o próprio contexto dos anos em que se vivia: a ditadura militar.

Essa designação de "polícia mineira" acabou pegando força na baixada fluminense nessa mesma época com os conhecidos "grupos de extermínio", basicamente formados por policiais a mando de comerciantes e figuras políticas, ou por vezes folclóricas, como o "homem da capa preta", que tratavam de "sumir" com ladrões e assaltantes que tiravam o sossego de moradores e do comércio local. Inicialmente vinculado à força e à violência, o termo "polícia mineira" aos poucos foi perdendo a sua "identidade" com Minas Gerais para ganhar outro significado, como a polícia que minerava, garimpava, a polícia corrupta.

E "grupo paramilitar"? O termo paramilitar em nossos dicionários é designado para denominar a organização que se assemelha a uma instituição militar, ou seja, tem o formato militar, é hierarquizada e, às vezes, até mesmo com patentes, postos e graduações militares, mas não são forças regulares, oficiais ou reconhecidas pelo Estado. Geralmente são grupos rebeldes de um país, como as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que buscam a tomada do poder estatal pela luta armada. Portanto, grupos paramilitares não têm como objetivo o lucro com a prestação ou a exploração de serviços, lícitos ou ilícitos, em uma determinada região ou comunidade, mas sim a tomada do poder do próprio Estado.

Seriam então grupo "parapolicial"? Entendemos que sim.

Na mesma linha do termo paramilitar, que significa a instituição não reconhecida pelo Estado que se organiza e se assemelha a um exército, um grupo parapolicial seria uma "polícia" clandestina. E se formos olhar bem, esses grupos agem dessa forma porque quase todos os serviços que exploram são lícitos de certa forma. Inicialmente esses grupos vendem "segurança" para a comunidade pois seus líderes geralmente são agentes do Estado, policiais ou bombeiros militares, membros da forças armadas, etc. Uma vez dominada a região com elementos em pontos-chaves, geralmente nas suas entradas e saídas, aglomeração comercial e residencial, passando-se por policiais, cobrando taxas pela prestação desse serviço, fica fácil estender esse monopólio para outros serviços essenciais e lícitos, como a venda de gás, transporte alternativo, tv por assinatura, ou ilícitos, como agiotagem, e etc. Esses grupos podem a vir a controlar a respectiva associação de moradores e estabelecer um "braço" nos parlamentos municipal, estadual e federal, enfim, agindo sempre no vácuo do Estado ou sob a complacência de suas autoridades e agentes, para assegurar suas atividades ilícitas e sua expansão.

Portanto, na nossa opinião, nada mais adequado denominar-se como parapoliciais esses grupos de criminosos que como polícias inicialmente agem nas comunidades mais carentes, mas que tem como único objetivo o lucro através da prática de crimes até mesmo de difícil comprovação, pois não é fácil você convencer um comerciante a testemunhar e denunciar que é obrigado a pagar uma taxa de segurança, ou que o dono da distribuidora de gás paga uma espécie de pedágio para monopolizar a venda de botijões, ou que a cooperativa de transporte alternativo frauda a fiscalização com a existência de muito mais vans circulando do que as regulamentadas pelo poder público, ou que determinada vítima de homicídio devia dinheiro aos agiotas, e assim por diante.

Definitivamente, milicianos ou paramilitares eles não são mesmo. Prefiro oficializar o termo "melissa", como o povão mais humilde os chamam, fazendo confusão com aquela marca de sandália feminina.

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