Se você não é formado em Direito, muito provavelmente
você desconhece por inteiro sobre o que é a PEC 37 e o que ela quer
regulamentar, talvez sequer saiba até mesmo o quê é uma PEC. Até mesmo muitos
estudantes e bacharéis em Direito ignoram o tema discutido na PEC 37, que trata
da fase pré-processual da Justiça Criminal, ou seja, das investigações
criminais. Não se preocupe em admitir para si mesmo que você não domina o
assunto, pois eu também ignoro vários deles que não dizem respeito à área em
que atuo, até mesmo em outros ramos do Direito. Em alguns deles mesmo, me
considero absolutamente leigo, como em Direito Comercial, por exemplo, e outros
tantos em que admito minha "fraqueza" no assunto. É assim em todas as
atividades profissionais, como nas diversas áreas da medicina, engenharia, etc.
Pois é
com você que eu quero conversar sobre a PEC 37, e prometo que, apesar de ser
delegado de polícia, vou afastar qualquer tipo corporativismo.
O que é
a PEC 37?
PEC é a
abreviatura de "proposta de emenda a Constituição", ou seja, sempre
que se faz necessário modificarmos a nossa Constituição temos que fazê-lo
através de uma PEC, a qual é discutida em ambas as Casas legislativas, a Câmara
dos Deputados e o Senado Federal. Uma vez que o Congresso Nacional (Câmara e
Senado) aprova uma PEC, essa modificação na Constituição passa a valer
imediatamente sem a necessidade de aprovação (sanção) do Presidente da
República, pois são os congressistas que a aprovam (deputados e senadores).
Pois
bem, a PEC 37, que foi apresentada em 2011, portanto há dois anos, pretende
incluir um parágrafo, o décimo, ao art. 144 da Constituição introduzindo a
seguinte norma ao texto constitucional:
"A apuração das infrações penais de que
tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incubem privativamente às polícias federal e
civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente."
E que
"artigo" é esse citado pela PEC 37? É o artigo 144 da Constituição,
que trata da organização da Segurança Publica no Brasil, o qual vou reproduzir
integralmente abaixo, destacando os parágrafos 1º e 4º:
"Art.
144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,
é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e
do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente,
organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha
repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo
se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e
drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e
de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária
da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e
mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao
patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e
mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao
patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das
atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares,
forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as
polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios.
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos
órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência
de suas atividades.
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais
destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a
lei.
§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos
relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39."
Portanto,
a PEC 37 estabelece, ou melhor, reestabelece que a apuração das infrações
penais é da competência da Polícia Federal e das Polícias Civis dos Estados e a
do Distrito Federal, numa grande redundância constitucional, porque ela afirma
algo que já está escrito no texto constitucional, ou não? Leia de novo os
textos grifados por mim...
Bem, à
essa altura você deve estar se perguntando o por quê, então, dessa PEC 37 ter
sido apresentada se ela não modifica absolutamente nada na Constituição? Pois
é... Para você poder entender essa confusão toda, é preciso que você aprenda como
funciona a Justiça Criminal no Brasil. Vamos à ela.
O funcionamento da Justiça
Criminal
Nós
temos um Código Penal que, pelo próprio nome diz - código - reúne uma série de
normas do Direito Penal que estabelece o que é um crime, ou infração penal, em qual
momento ele fica caracterizado, ou não, quem pode responder por ele, quais as
penas mínimas e máximas desse crime, o tipo de punição, e em quanto tempo ele
prescreve (ou "caduca", se preferir) caso ele não seja apurado ou a
Justiça não tenha conseguido condenar o seu autor, etc. Além do Código Penal, há
outras infrações penais que também estão previstas em outras leis.
Definido
qual conduta constitui em crime, a Justiça Criminal precisa de um instrumento
para apurá-lo (ou investigá-lo) e processar quem o praticou, estabelecendo
normas de como fazê-lo, e, para isso, existe o Código de Processo Penal, que é
um conjunto de regras que um juiz ou Tribunal tem que seguir para que ele possa
condenar ou absolver alguém que seja acusado de praticar um crime.
Os
nossos Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40) e Código de Processo Penal
(Decreto-Lei nº 3.689/41) são, digamos, a "bíblia" da Justiça
Criminal desde o início dos anos 1940 e ambos esses instrumentos foram
recepcionados, ou seja, "acatados" pela Constituição Federal de 1988,
e é deles que se valem todos os envolvidos com a Justiça Criminal para basear
as suas atuações, seja para investigar, acusar, defender ou julgar alguém
suspeito de praticar uma infração penal.
O termo
"polícia judiciária" aparece no artigo 4º do Código de Processo Penal
(CPP) e define o ramo da Instituição da Polícia que se encarrega de apurar as
infrações penais, estabelecendo que deve haver uma autoridade policial para
presidir, dirigir, chefiar, gerenciar, essas apurações, que no Brasil sempre
foi a figura do delegado de polícia. Aqui é importante lembrarmos que existem
vários tipos de Polícias, a Polícia Militar e a Polícia Civil, que atuam nos
Estados e no Distrito Federal; a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal
e a Polícia Ferroviária Federal, que atuam em todo o país, e a Guarda
Municipal, que atuam nos Municípios, esclarecendo que esta última também é uma
organização de natureza policial. A cada uma dessas Polícias é atribuída uma
função específica que o artigo 144 da Constituição, que eu peço para que você
possa reler novamente, estabeleceu, determinando que a Polícia Federal e as
Polícias Civis dos Estados e a do DF são
aquelas que executam a atividade de Polícia Judiciária prevista pelo CPP. Olha
o que diz o artigo 4º do Código de Processo Penal:
"Art. 4º A polícia
judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas
respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da
sua autoria.
Parágrafo único. A competência definida neste artigo não excluirá a
de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função."
O mesmo CPP prossegue definindo normas de
atuação dessas autoridades policiais e estabelece que a apuração das infrações
penais deve ser efetuada através de um inquérito policial, que nada mais é do
que um - digamos - "caderno" que reúne todos os documentos que
compõem essa investigação, ou seja, depoimentos, inquirições, laudos periciais,
documentos públicos ou privados, informações sobre diligências efetuadas pelos
policiais, relatórios da investigação e etc. A autoridade policial tem um prazo
estabelecido pelo CPP para concluir essa apuração e ao fim dele tem que remeter
esse inquérito a um membro do Ministério Público, seja com um pedido de um novo
prazo para dar prosseguimento as investigações ou apresentando um
"relatório final" dando por encerradas as apurações, apontando quem
praticou o crime e quais as provas que colheu, conseguiu, contra o indiciado.
De posse desse inquérito, mesmo que a
autoridade policial tenha solicitado um novo prazo para dar continuidade as
investigações, se o membro do Ministério Público entender que já há provas
suficientes para ele processar criminalmente o indiciado (oferecer a denúncia),
ele pode fazê-lo. Do mesmo modo, mesmo que a autoridade policial apresente seu
"relatório final", pode o membro do Ministério Público devolver o
inquérito a autoridade policial e requisitar, ordenar, determinar, novas diligências
(perícias, depoimentos, documentos, etc.).
Veja o que dizem alguns artigos do Código de
Processo penal a respeito:
"Art. 10. O
inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso
em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta
hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de
30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
§ 1o A autoridade fará minucioso
relatório do que tiver sido apurado e enviará autos ao juiz competente.
§ 2o No
relatório poderá a autoridade indicar testemunhas que não tiverem sido
inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser encontradas.
§ 3o Quando
o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade
poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que
serão realizadas no prazo marcado pelo juiz."
....................................................................................................................
"Art. 12. O
inquérito policial acompanhará a denúncia ou queixa, sempre que servir de base
a uma ou outra."
....................................................................................................................
"Art. 13. Incumbirá ainda à autoridade policial:
I - fornecer às autoridades judiciárias as informações necessárias à
instrução e julgamento dos processos;
II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo
Ministério Público;
III - cumprir os mandados de prisão expedidos pelas autoridades
judiciárias;
IV - representar acerca da prisão preventiva."
....................................................................................................................
"Art. 14. O
ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer
diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade."
....................................................................................................................
"Art. 16. O
Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade
policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da
denúncia.
Art. 17. A
autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito.
Art. 18. Depois
de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta
de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas
pesquisas, se de outras provas tiver notícia."
A reprodução dos artigos acima deixa claro
que o resultado das investigações tem como destino o Ministério Público e que
seu membro só deve oferecer a denúncia (processar quem estiver sendo
investigado) se estiver convencido que ele praticou o crime e que há provas suficientes
para a sua condenação. Podemos observar igualmente, que o trabalho de
investigação realizado pela autoridade policial, além de estar submetido à essa
fiscalização e controle direto pelo Ministério Público, também sofre uma
fiscalização direta por parte do ofendido, ou vítima, e do próprio investigado,
através dos seus advogados, ou defensores públicos, ou seus representantes
legais, conforme o artigo 14.
Especificamente sobre as atribuições do
Ministério Público, o Código de Processo Penal estabelece, em suma, que cabe a ele
oferecer a denúncia contra quem é atribuída a prática de um crime, ou seja,
processar criminalmente alguém, dando início a ação penal. Essa
"denúncia" é um documento redigido pelo membro do Ministério Público
e encaminhado a um juiz ou Tribunal, onde ele faz um resumo do crime, enfim, onde
ocorreu, quando, como, por quem e por quê, quais as provas existentes e qual o
artigo da lei que prevê esse crime, requerendo que seja instaurado, iniciado,
um processo criminal - a ação penal - contra aquela pessoa para que ela possa
ser condenada, responsabilizada, pelo seu ato. Eis alguns artigos destacados do
CPP sobre o assunto:
Art. 24. Nos
crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público,
mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou
de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.
§ 1o No caso de morte do ofendido ou
quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de representação
passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.
§ 2o Seja
qual for o crime, quando praticado em detrimento do patrimônio ou interesse da
União, Estado e Município, a ação penal será pública.
Art. 25. A representação será irretratável, depois de oferecida
a denúncia.
....................................................................................................................
Art. 27. Qualquer
pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em
que caiba a ação pública, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato
e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção.
Art. 28. Se
o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o
arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz,
no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do
inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a
denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou
insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a
atender.
Art. 29. Será
admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no
prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e
oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo,
fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de
negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.
Art. 30. Ao
ofendido ou a quem tenha qualidade para representá-lo caberá intentar a ação
privada.
....................................................................................................................
Art. 40. Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os
juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública,
remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao
oferecimento da denúncia.
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso,
com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos
pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando
necessário, o rol das testemunhas.
Em resumo, é o Ministério Público o
responsável por processar aqueles que cometem uma infração penal, um crime, ou uma
contravenção, oferecendo ao juiz uma peça que se chama "denúncia", ou
requerer a esse mesmo juiz o arquivamento da investigação. Caso o juiz não
concorde com o pedido de arquivamento da investigação, ele remete o inquérito
ao Chefe do Ministério Público, o Procurador-Geral, para que ele reveja esse
pedido, porém se o Procurador-Geral entender que a investigação deve mesmo ser
arquivada, o juiz será obrigado a arquivar o inquérito. Ou seja, a investigação
criminal pertence ao Ministério Público, pois se ele quiser arquivá-la o juiz
estará obrigado a acatar.
Além de prever o crime, o Código Penal
estabelece se caberá ou não ao Ministério Público processar o seu autor, ou
seja, dar início a ação penal, dependendo da gravidade do crime e o interesse
do povo em ver aquela pessoa processada, por isso que o Órgão se chama de
"Ministério Público", pois alguns crimes afetam apenas uma única
pessoa, como por exemplo os crimes contra a honra, ou um dano ao patrimônio do
particular. Então temos dois tipos de ação penal, a pública e a privada, onde
nesta última cabe ao interessado processar o seu autor.
Como podemos observar, a iniciativa da ação
penal pública é exclusiva do Ministério Público, ou seja, não há outro Órgão ou
alguém que possa substituí-lo, havendo uma única exceção que é quando o
Ministério Público perde o prazo para oferecer a denúncia, daí qualquer pessoa
pode agir. Apesar disso ser possível, não tenho nenhuma notícia de um caso como
esse.
Existem crimes em que, apesar da ação penal
ser pública, ou seja, de competência do Ministério Público, este só poderá
atuar se houver uma "autorização" da vítima, ofendido, que se chama
"representação", como por exemplo, o crime de "ameaça".
Quando isso ocorre, dizemos que tal crime é de ação penal pública condicionada
(a representação da vítima, ofendido, ou seu representante legal). Quando o
Ministério Público não depender de autorização para agir dizemos que a ação
penal é incondicionada.
O CPP também dá autonomia ao Ministério
Público para oferecer denúncia, nos casos de ação penal pública incondicionada,
mediante a provocação de qualquer pessoa que lhe traga informações por escrito
(portanto não pode haver anonimato) sobre um fato criminoso e sua autoria,
desde que esteja convencido dessas provas, pois caso contrário, pode
requisitar, determinar, que a autoridade policial instaure um inquérito
policial. Além de qualquer do povo, o Ministério Público pode receber de vários
Órgãos públicos, além dos magistrados, documentos tais que comprovem a prática
de um crime e quem sejam os seus autores, como por exemplo, numa inspeção de um
Tribunal de Contas, num relatório do Banco Central, da Receita Federal, de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito, e outros tantos, e se entender que há
provas, elementos, indícios suficientes para apresentar a denúncia o fará sem
precisar de um inquérito policial, pois toda a investigação sobre o fato foi
realizada pela autoridade administrativa prevista no parágrafo único do artigo
4º do CPP, como está reproduzido aí em cima.
O Ministério Público tem poderes de investigação?
Como pudemos
observar, o Código de Processo Penal não possui nenhum dispositivo, artigo, que
dê autorização ao Ministério Público poder realizar investigações criminais.
O Ministério
Público pode, sim, dispensar a investigação mas nunca realizá-la. O Código de
Processo Penal o autoriza apenas a oferecer denúncias caso receba documentos de
pessoas ou autoridades administrativas com provas suficientes da existência de
um crime e quem seja o seu autor. Não há previsão legal para o Ministério
Público ouvir pessoas, colher provas, etc. Ele pode requisitar essas
providências a autoridade policial, seja determinando a instauração de um
inquérito policial ou no curso desse. Se ao receber informações ou documentos
de pessoas ou autoridades administrativas que relatem a existência de um crime
e se as provas não forem suficientes para oferecimento da denúncia, o
Ministério Público é obrigado pelo Código de Processo Penal a encaminhar essas
informações a autoridade policial e requisitar-lhe a instauração de um
inquérito.
A Constituição da
República Federativa do Brasil, promulgada pela Assembleia Constituinte em
05/10/1988, em consonância, ou seja, observando as regras estabelecidas pelo
Código de Processo Penal, no que diz respeito a apuração das infrações penais,
quando tratou de organizar o Ministério Público, conferiu a esse Órgão as
atribuições previstas no artigo 129, que reproduzo abaixo:
"Art. 129.
São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da
lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação
para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma
da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma
da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de
inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a
consultoria jurídica de entidades públicas.
§ 1º - A legitimação do Ministério Público
para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas
mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.
§ 2º As funções do Ministério Público só
podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca
da respectiva lotação, salvo autorização do chefe da instituição.
§ 3º O ingresso na carreira do Ministério Público far-se-á
mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em
direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas
nomeações, a ordem de classificação.
§ 4º Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no
art. 93.
§ 5º A distribuição de processos no Ministério Público será
imediata."
Pronto. Estão aí
as funções institucionais do Ministério Público ditadas pela Constituição do
Brasil, a nossa Lei Maior, a Carta Magna, que, diga-se de passagem, são bastante
relevantes e eleva esse Órgão a um papel na República de caráter indispensável
à defesa da cidadania e da democracia.
Mas onde está
previsto, então, onde está escrito, nesse artigo 129, que o Ministério Público
pode investigar? Realmente não está, até porque está lá no artigo 144 que essa
atribuição é da Polícia Federal e das Polícias Civis, as denominadas Polícias
Judiciárias.
Veja a harmonia
entre a Constituição e o Código de Processo Penal quando esta prevê logo no
inciso primeiro do artigo 129 que ao Ministério Público compete promover a ação
penal pública de forma privativa, ou seja, não exclusiva, na forma da lei, o
Código de Processo Penal. E por que não lhe conferiu exclusividade para
promover a ação penal pública? Por causa do artigo 29 do CPP que prevê a
possibilidade de o Ministério Público perder o prazo para oferecer a denúncia e
alguém oferecê-la em seu lugar. Somente isso, pois, na prática, a ação penal
pública é, de fato, exclusiva do Ministério Público, ou seja, só um membro do
Ministério Público, promotor ou procurador, pode processar alguém.
Continuando,
chegamos ao inciso oitavo (VIII) onde a Constituição permite que o Ministério
Público requisite, ou seja, determine, ordene, a realização de diligências
investigatórias e a instauração de inquéritos policiais, desde que ele tenha
uma fundamentação jurídica para tanto. E a quem ele dirigirá essa requisição? À
Polícia Judiciária, a quem a mesma Constituição, no artigo 144, conferiu a
atribuição de investigar.
Se o Ministério
Público pudesse investigar, por que a Constituição determinaria que ele
requisitasse as diligências investigatórias? Troque o verbo
"requisitar" pelo "realizar" no inciso VIII, que eu
reproduzo abaixo para facilitar você a acompanhar esse raciocínio:
"VIII
- requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;"
Ora, a Constituição obriga o
Ministério Público a requisitar as diligências investigatórias, caso contrario
ela poderia ter dito "requisitar ou realizar".
A Assembleia Constituinte de
1988 rejeitou todas as propostas no sentido de permitir ao Ministério Público a
possibilidade de realizar investigações criminais, aprovando o sistema criminal
vigente, o do Código de Processo Penal.
Apesar de não permitir ao
Ministério Público realizar investigações criminais, conferindo essa atribuição
às Polícias Judiciárias, no artigo 144 , a Constituição, ao mesmo tempo,
garantiu ao Ministério Público o importantíssimo papel de fiscalizar a Polícia,
em seu inciso VII:
"VII
- exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;"
Por fim, já foram
apresentadas três Propostas de Emenda a Constituição, as PECs 109/95, 496/2002
e 197/2003, propondo atribuir ao Ministério Público a atribuição de investigar,
e todas elas foram rejeitadas e arquivadas pelo Congresso Nacional.
Pois bem, o Ministério Público não realiza
investigações criminais, porém todas a ele são destinadas, direcionadas, e por
ele fiscalizadas e controladas. O Ministério Público não realiza investigações
criminais, porém as requisita a autoridade policial que está obrigada a
realizá-las, e as fiscaliza, e pode, inclusive, acompanhar diligências,
oitivas, perícias, etc., e estabelecer um trabalho conjunto com a autoridade
policial.
Mas por que o Ministério Público investiga?
O Ministério
Público vem, de fato, realizando investigações criminais, poucas, é verdade,
pois, na maioria dos casos, os juízes e Tribunais têm invalidado essas
investigações por falta de previsão legal para que promotores e procuradores
possam colher diretamente a prova sem o auxílio da Polícia Judiciária.
É verdade que a
Polícia Judiciária brasileira é, além de mal remunerada, geralmente também mal
aparelhada, principalmente as Polícias Civis, e o Ministério Público, ao invés
de cobrar das autoridades competentes, os Governadores, melhores condições de
trabalho para esses policiais, resolveu criar grupos de investigação em seus
gabinetes, requisitando policiais militares e até policiais civis para ajudá-los,
tirando mais policiais das ruas e das Delegacias.
Para justificar
as suas investigações, o Ministério Público tem usado de todos os argumentos
possíveis. Alegam que se a investigação tem como destino o próprio Ministério
Público, ele pode realizá-la diretamente, sem a Polícia, pois "quem pode o
mais, também pode o menos". Mas como é possível afirmar que a investigação
é o "menos" no sistema criminal? Ora, sem investigação não há
denúncia, e sem esta não há julgamento. Como é possível relegar a investigação
a um papel secundário, de menos importância, no sistema criminal? Nessa lógica,
se o juiz pode julgar, condenar ou absolver, ele também pode investigar e
denunciar? Mas não!
Atualmente o
Ministério Público, pasme, quer convencer a opinião pública que a própria Constituição
lhe confere a atribuição de investigar, interpretando-a como lhe convém,
dizendo que ela não o vedou expressamente de realizar as investigações. Mas e o
inciso VIII? E o verbo "requisitar" ao invés de "realizar",
ou a conjunção de ambos, "requisitar ou realizar" que destaquei
linhas atrás?
O Ministério
Publico tem se valido de uma tal "interpretação teleológica", que é a
teoria da finalidade da norma, segundo a qual o artigo 129, inciso II, prevê
que o Ministério Público deve promover as medidas necessárias para garantir os
direitos previstos na Constituição, incluindo aí a realização das
investigações:
"II
- zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância
pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas
necessárias a sua garantia;"
Mas se o Ministério Público requisitar,
ordenar, determinar, a instauração do inquérito policial e acompanhar as
investigações e fiscalizá-las, não estaria ele já promovendo as medidas
necessárias previstas nesse inciso II?
Outra alegação do Ministério Público para investigar
é que há uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público que o
autoriza a realizar as investigações sem a Polícia Judiciária. Mas, prezado
leitor, resolução é lei? Essa resolução pode revogar o Código de Processo Penal
ou alterá-lo? Não. Aí embaixo eu reproduzo o artigo 130-A da Constituição que
prevê a criação e regulamenta o Conselho Nacional do Ministério Público, e você
não verá uma linha sobre poder editar normas, leis, sobre direito processual
penal:
"Art.
130-A. O Conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros
nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela
maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma
recondução, sendo:
I - o
Procurador-Geral da República, que o preside;
II - quatro
membros do Ministério Público da União, assegurada a representação de cada uma
de suas carreiras;
III - três
membros do Ministério Público dos Estados;
IV - dois
juízes, indicados um pelo Supremo Tribunal Federal e outro pelo Superior
Tribunal de Justiça;
V - dois
advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VI - dois
cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela
Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal.
§ 1º Os
membros do Conselho oriundos do Ministério Público serão indicados pelos
respectivos Ministérios Públicos, na forma da lei.
§ 2º Compete
ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa
e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de
seus membros, cabendo-lhe:
I - zelar
pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo
expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar
providências;
II - zelar
pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a
legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do
Ministério Público da União e dos Estados, podendo desconstituí-los, revê-los
ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato
cumprimento da lei, sem prejuízo da competência dos Tribunais de Contas;
III - receber
e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Ministério Público da União
ou dos Estados, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da
competência disciplinar e correicional da instituição, podendo avocar processos
disciplinares em curso, determinar a remoção, a disponibilidade ou a
aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e
aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - rever,
de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de membros do
Ministério Público da União ou dos Estados julgados há menos de um ano;
V - elaborar
relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias sobre a
situação do Ministério Público no País e as atividades do Conselho, o qual deve
integrar a mensagem prevista no art. 84, XI.
§ 3º O
Conselho escolherá, em votação secreta, um Corregedor nacional, dentre os
membros do Ministério Público que o integram, vedada a recondução,
competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pela lei, as
seguintes:
I receber
reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos membros do
Ministério Público e dos seus serviços auxiliares;
II exercer
funções executivas do Conselho, de inspeção e correição geral;
III
requisitar e designar membros do Ministério Público, delegando-lhes
atribuições, e requisitar servidores de órgãos do Ministério Público.
§ 4º O
Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil oficiará junto
ao Conselho.
§ 5º Leis da
União e dos Estados criarão ouvidorias do Ministério Público, competentes para
receber reclamações e denúncias de qualquer interessado contra membros ou
órgãos do Ministério Público, inclusive contra seus serviços auxiliares,
representando diretamente ao Conselho Nacional do Ministério Público.
Só quem pode legislar
sobre normas de direito processual penal é o Congresso Nacional, como previsto
na Constituição, no inciso I do seu artigo 22:
"Art.
22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral,
agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;"
É claro que o Conselho nacional do Ministério
Público, presidido pelo Procurador-Geral da República e composto de 2/3 (dois
terços) - 8 de 12 conselheiros - membros do Ministério Público, editará
resoluções e normas administrativas que sejam de interesses corporativistas.
Finalmente, tem o Ministério Público se
valido de entendimentos de Ministros do Supremo Tribunal Federal, nas mais de
100 (cem) ações que tramitam naquela Suprema Corte. Composto de 11 (onze) juristas,
o "placar" favorável ao Ministério Público poder investigar sofre
alterações à cada nova composição do Supremo, porém mesmo aqueles Ministros que
se posicionaram favoráveis ao Ministério Público investigar ressalvam que o
Órgão deve fazê-lo baseado numa Lei que regulamente a matéria. O próprio
presidente atual do STF, Ministro Joaquim Barbosa, oriundo do MP, já se
posicionou contra a possibilidade de promotores e procuradores presidirem
inquéritos policiais.
A PEC 37 é a "PEC da Impunidade"?
Tão mentirosa
quanto a expressão "a PEC 37 retira
os poderes de investigação do Ministério Público", em razão do
Ministério Público não ter esses "poderes", como vimos aqui, chamar a
PEC 37 de "PEC da Impunidade"
é outra grande mentira, ou como você já deve ter ouvido, uma grande falácia!
O Ministério
Público, graças às suas associações classistas, apelidou a PEC 37 de "a
PEC da impunidade" numa grande e eficaz jogada de marketing, para cooptar as pessoas que querem, lógico, combater a
impunidade no Brasil, mas a aprovação da PEC 37, em razão dela apenas reafirmar
o que já está escrito na Constituição, ou seja, que a atribuição de investigar
é da Polícia Judiciária, e não do Ministério Público e de outros Órgãos
Policiais, não traz nenhum prejuízo as atribuições previstas no artigo 129 da
Constituição.
O Ministério
Público continuará a receber as informações e os documentos de qualquer pessoa
e de autoridades administrativas, como o Banco Central, a Receita Federal, os
Tribunais de Contas, etc., e poderá denunciar eventuais criminosos sem a
necessidade de inquérito policial, caso essas informações e documentos forem
suficientes para a formação do convencimento da existência do crime e sua
autoria por parte do Ministério Público.
O Ministério
Público, assim como a magistratura brasileira, teme, na verdade, que a PEC 37
possa acabar determinando também que a Polícia passe a investigar também os membros
do Ministério Público e os juízes, pois hoje só o MP pode investigar o MP assim
como só um juiz pode investigar outro juiz.
O caso
"Demóstenes Torres" é o mais atual de todos.
O ex-senador da
República Demóstenes Torres, membro do Ministério Público de Goiás, chegou ao
cargo de Procurador de Justiça e chefiou o Ministério Público goiano, além de
ter sido secretário de segurança daquele Estado. Elegeu-se senador e foi
cassado em dezembro de 2012, após investigações da Polícia Federal que descobriu
o "esquema Carlinhos Cachoeira", um dos maiores contraventores do
Brasil, e de quem Demóstenes desfrutava da amizade e de "negócios".
As investigações
contra Demóstenes estavam sendo realizadas pelo Ministério Público Federal, na
Procuradoria Geral da República, e foram remetidas para o Ministério Público de
Goiás após a sua cassação, e desde então estão paradas, há seis meses, tendo o
Tribunal de Justiça de Goiás sido obrigado a oficiar o atual Procurador Geral
de Justiça de lá para cobrar o andamento das investigações. Um escândalo!
Se o Ministério
Público é tão importante no combate a corrupção e a impunidade, porque a
principal reivindicação dos recentes protestos é justamente contra a corrupção
e a impunidade? A Constituição de 1988 completará 25 anos e concedeu ao
Ministério Público todos os poderes para combater a corrupção e, no entanto, só
vimos a corrupção se agigantar nesse período.
A PEC 37 torna a investigação monopólio da Polícia Judiciária?
Não!
Vamos reproduzir
o texto da PEC 37 novamente:
"A apuração das
infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incubem
privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal,
respectivamente."
O texto deixa
claro que o ato de investigar, de apurar as infrações penais, é privativo das
Polícias Judiciárias, as quais são dirigidas por delegados de polícia, que são
as autoridades policiais que presidem os inquéritos policiais, como previsto e
em perfeita harmonia com o artigo 4º do Código de Processo Penal, que em seu
parágrafo único prevê que outras autoridades administrativas poderão
investigar, desde que haja previsão legal.
Assim, baseado na
legislação brasileira, autoridades do Banco Central, da Receita Federal, dos
Tribunais de Contas, etc., podem apurar, numa inspeção ou num relatório financeiro,
tributário, administrativo ou semelhante, dentro da sua área de atuação, que um
cidadão, um empresário, um governante, ao gerir mal um recurso público ou numa
declaração de renda, possa ter cometido um crime contra o patrimônio ou o
Tesouro, sonegado tributos ou efetuado uma "lavagem de dinheiro".
Portanto, a
própria PEC, junto com o Código de Processo Penal, garante o poder de
investigação conferido pela legislação brasileira a autoridades
administrativas, ao contrário do que vem sendo equivocadamente alardeado (claro
que de propósito).
Além das
autoridades administrativas, a PEC 37 não mexe em uma vírgula sequer no poder
de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito, as chamadas
"CPI", até porque esse poder emana da própria Constituição Federal,
como previsto no parágrafo 3º do artigo 58:
Art. 58. O
Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias,
constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou
no ato de que resultar sua criação.
....................................................................................................................
§ 3º - As
comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das
respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de
seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas
conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova
a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
E veja você que
tem muitos promotores e procuradores pelas redes sociais divulgando, descarada
e mentirosamente, que a PEC 37 afeta o poder de investigação das CPIs..
Como você pode
ver, a Constituição - como o faz a todo momento - destina o resultado das
investigações das CPIs ao Ministério Público "...para que promova a
responsabilidade civil ou criminal dos infratores", ou seja
ofereça ações nas áreas cível e criminal (denúncia), mas em nenhum momento
permitindo que ele realize mais investigações caso o relatório da CPI não o
convença da prática de crime ou quem seja o seu autor.
Veja você,
prezado leitor, que teve paciência de me ler até aqui, que andam até divulgando
que os jornalistas não vão mais poder fazer o chamado "jornalismo
investigativo"!!! O que tem a ver a atividade de jornalista com
Constituição??? Onde fica a liberdade de imprensa, baseada no direito de
informar previsto na própria Constituição??? Um jornalista não toma depoimentos
ou faz inquirições e interrogatórios, não tem o poder de requisitar documentos
ou perícias. Uma reportagem de jornal, de rádio ou televisão tem o mesmo peso
de alguém que vai à Polícia ou ao Ministério Público para fazer uma denúncia
contra alguém. Só faltou dizerem por aí que a PEC 37 vai proibir os detetives
particulares de trabalharem...
A PEC 37 interfere na atuação do Brasil na "Conveção de
Palermo"?
Mas uma das
"falácias" da propaganda contra a PEC 37.
A "Convenção
de Palermo" é um tratado internacional do qual o Brasil é signatário, ou
seja, faz parte, e que foi aprovado pelo Decreto nº 5.015, de 12/03/2004, cujo
nome oficial é "Convenção das Nações Unidas Contra O Crime Organizado
Transnacional", ao qual o convido para ler seguindo o link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm, onde você não verá nenhum
dispositivo, artigo, inciso ou alínea que estabeleça que as investigações dos
crimes ali tratados são da competência do Ministério Público.
Sequer o texto desse tratado se
refere ao Órgão "Ministério Público", apenas a função dos promotores,
e num único artigo, olha só...
"Artigo 29
Formação e assistência
técnica
1. Cada Estado Parte
estabelecerá, desenvolverá ou melhorará, na medida das necessidades, programas
de formação específicos destinados ao pessoal das autoridades competentes para a
aplicação da lei, incluindo promotores públicos, juizes de instrução e
funcionários aduaneiros, bem como outro pessoal que tenha por
função prevenir, detectar e reprimir as infrações previstas na presente
Convenção. Estes programas, que poderão prever cessões e intercâmbio de
pessoal, incidirão especificamente, na medida em que o direito interno o
permita, nos seguintes aspectos:
a) Métodos utilizados para
prevenir, detectar e combater as infrações previstas na presente Convenção;
b) Rotas e técnicas
utilizadas pelas pessoas suspeitas de implicação em infrações previstas na
presente Convenção, incluindo nos Estados de trânsito, e medidas adequadas de
combate;
c) Vigilância das
movimentações dos produtos de contrabando;
d) Detecção e vigilância
das movimentações do produto do crime, de bens, equipamentos ou outros
instrumentos, de métodos de transferência, dissimulação ou disfarce destes
produtos, bens, equipamentos ou outros instrumentos, bem como métodos de luta
contra a lavagem de dinheiro e outras infrações financeiras;
e) Coleta de provas;
f) Técnicas de controle
nas zonas francas e nos portos francos;
g) Equipamentos e técnicas
modernas de detecção e de repressão, incluindo a vigilância eletrônica, as
entregas vigiadas e as operações de infiltração;
h) Métodos utilizados para
combater o crime organizado transnacional cometido por meio de computadores, de
redes de telecomunicações ou outras tecnologias modernas; e
i) Métodos utilizados para
a proteção das vítimas e das testemunhas."
É óbvio que deve
haver cooperação entre as nações para qualificar e aprimorar o trabalho de
todos os "atores" envolvidos no combate aos crimes transnacionais, ou
seja, aqueles que podem se iniciar num país e ter prosseguimento em outros,
especialmente no que diz respeito a "lavagem de dinheiro", incluindo,
além dos investigadores (Polícia Federal), os promotores (Ministério Público
Federal), os juízes (Justiça Federal), os agentes aduaneiros (Receita Federal).
Enfim, não há
nada na "Convenção de Palermo" que exija que as investigações sejam
conduzidas por promotores públicos, até porque os promotores pertencem aos
Ministérios Públicos estaduais. O tratado, obviamente, entende que cada país
tem o seu próprio sistema de investigação e acusação e jamais interferiria na
soberania alheia. O que as Nações Unidas querem é que esses crimes sejam
investigados por quem de Direito em cada um dos países signatários do Acordo.
Mas o modelo de investigação no Brasil é ultrapassado?
Você deve ter
lido que só no Brasil e em países como Uganda, Nigéria, Moçambique, sei lá,
enfim, países subdesenvolvidos, que o Ministério Público não pode investigar ou
que a Polícia não seja diretamente subordinada a ele.
Outra mentira!
Em países como a
Inglaterra, a Irlanda, Irlanda do Norte, País de Gales, Canadá, Austrália, e
outros tantos, mais ou menos importantes, é a Polícia quem investiga, e não o
Ministério Público. Em alguns desses, como na Inglaterra, por exemplo, a
Polícia investiga e também oferece a denúncia, cabendo ao membro do Ministério
Público dar continuidade a acusação.
Aliás, falando em
Ministério Público lá fora, promotores ou procuradores, que seja, sequer tem as
mesmas prerrogativas que os daqui, como vitaliciedade, inamovibilidade e independência funcional,
administrativa e financeira, ou seja, conferindo a Instituição do Ministério
Público brasileiro verdadeira autonomia do Poder Executivo, como se fosse um
quarto Poder da república.
Nesses países, e
mesmo nos Estados Unidos, os promotores e procuradores são subordinados ao
equivalente do nosso Ministério da Justiça, assim como a Polícia, e todos podem
ser demitidos a qualquer tempo, ao contrário da vitaliciedade brasileira.
Cada povo, nação,
sociedade, constrói suas Instituições de acordo com a sua cultura, convicções e
organização política, e nenhuma é melhor ou pior que a outra, ou mais
democrática.
Então por que você é contra a PEC 37?
1) Você é contra
a PEC 37 por que entende que quanto mais Instituições podendo investigar crimes
é melhor?
Bom argumento.
Porém, seria preciso que repartíssemos atribuições para que não houvesse
duplicidade de investigações, com uma atrapalhando a outra, ou uma Instituição
querendo "aparecer" mais que a outra, ou que nenhuma das duas
investigasse nada. Como ocorre hoje com a repartição dos poderes de
investigação da Polícia Federal e das Polícias Civis, onde a primeira investiga
as infrações penais contra a ordem política e social
ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas, etc., e as
Polícias Civis investigam nos demais casos, exceto em se tratando de crimes
militares, que compete às Forças Armadas e às Polícias e Corpos de Bombeiros
Militares, cada um relativo ao seu pessoal.
Mas, mesmo assim, me preocuparia em
conceder parcela dessa atribuição ao Ministério Público por entender que essa
medida acarretaria em mais custos e desperdício de dinheiro público, pois o
Ministério Público criaria um quadro próprio de investigadores, agentes,
auxiliares e peritos e gastaria com equipamentos, estrutura, armamento,
viaturas, etc. e etc., além de que, certamente, haveria uma enorme rivalidade
com as outras Polícias, desprovidas das mesmas prerrogativas garantidas aos
membros do Ministério Público.
2) Você é contra a PEC 37 por que a
polícia não dá conta de investigar todos os crimes?
Bem, todos sabem que a Polícia
Judiciária brasileira, principalmente as Polícias Civis, mesmo nos principais
Estados, carecem de recursos e de um planejamento contínuo de investimentos em
formação e qualificação de pessoal, aquisição de equipamentos e instalações
adequadas para poderem trabalhar.
Veja você que mesmo após quase 25
anos de promulgada a nossa Constituição, o Congresso Nacional elaborou e
aprovou a Lei Orgânica da Polícia Judiciária, tal qual, em 1993, apenas cinco
anos depois, aprovou a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
Só na Cidade do Rio de Janeiro, por
exemplo, as 39 Delegacias Distritais, registram aproximadamente 800
(oitocentas) ocorrências policias por dia, ou cerca de 24000 boletins de
ocorrências por mês, sendo que em 1983 foi editada uma Lei 699, que previa que
até o fim daquela década a Polícia Civil deveria ter mais de 20.000 policiais
civis em seus quadros, e atualmente conta com metade desse contingente.
3) Você é contra a PEC 37 por que a
Polícia é subordinada aos Governantes?
Bom argumento, novamente.
A recente edição da Lei 12.830/2013,
sancionada dias atrás, agora garante que uma investigação policial só poderá
sair das mãos de um delegado de polícia se houver um despacho fundamentado do
Chefe de Polícia, e que, também, os delegados de polícia só poderão ser
removidos de uma delegacia para outra se igualmente houver um despacho
fundamentado do Chefe de Polícia, confere uma maior autonomia e segurança aos
delegados de polícia na condução das investigações que estiver presidindo,
mesmo aquelas que venham a afetar interesses de superiores ou de políticos.
Melhor seria se o Congresso Nacional
apreciasse e aprovasse a Lei Orgânica Nacional da Polícia Judiciária e
garantisse aos seus integrantes a autonomia plena e definitiva dos governos, a
exemplo do Ministério Público, permitindo a organização dos seus quadros
funcionais e a progressão dos agentes policiais à carreira de delegados de
polícia, valorizando a experiência desses policiais, entre outras inúmeras
melhorias e vantagens.
4) Você é contra a PEC 37 por que a
Polícia é corrupta?
Ora, a Polícia é composta de homens
e mulheres como qualquer outra Instituição, que optaram por ser policiais pelas
mais diversas situações ou por pura vocação. Ninguém é mais honesto, mais
inteligente, mais competente, que o outro em razão da função que exerce ou do
cargo que ocupa. Você não ingressa na Polícia, por exemplo, e recebe uma capa
de super-herói, ou entra numa repartição do Ministério Público e se sente
inatingível pela ganância do poder e do dinheiro.
Dê à Polícia as mesmas garantias e
prerrogativas concedidas ao Ministério Público para que seus integrantes possam
realizar sua missão Constitucional com firmeza e determinação!
Você, a sociedade, precisa conhecer
melhor como funciona as suas Instituições e cobrar que elas sejam aperfeiçoadas
e disponha dos instrumentos legais para exercer o papel que a Constituição e as
lei lhes conferiram. É preciso que esses servidores públicos sejam valorizados.
É preciso, acima de tudo, que haja fiscalização por parte da sociedade sobre o
que cada Instituição faz e produz no seu dia-a-dia.
Considero a investigação criminal o
elo mais importante na cadeia de ações que o Estado promove para punir quem
transgride as normas penais, por isso ele prevê que o trabalho da Polícia Judiciária
tem que ser acompanhado, controlado e fiscalizado pelo Ministério Público,
pelos seus órgãos corregedores interno e externo, pelas ouvidorias, pela
vítima, pelo investigado, pela sociedade (Conselhos Comunitários) e pelo Poder
Judiciário.
A sociedade construiu seu modelo de
Justiça Criminal onde quem investiga não acusa e quem acusa não investiga,
garantindo à defesa dos investigados a isenção do investigador. Igualmente
determinou que a autoridade policial seja obrigada a investigar todos os crimes
de que tiver notícia, e não somente aqueles que ela entender que deva
investigar. Determinou, por fim, que a autoridade policial jamais poderá
arquivar uma investigação policial, cabendo essa função a um juiz, mediante uma
representação do Ministério Público.
Lidas essas minhas considerações,
peço que você formule seu próprio juízo a respeito da PEC 37, e não aqueles que
a mídia vem maciçamente divulgando como "PEC da Impunidade" ou a
"PEC que retira o poder de investigação do Ministério Público",
porque nada disso, como vimos, é verdade.
Desconfie de todo texto publicado
que contenha tais expressões ou afirmações.
Essa mesma mídia que se posiciona
contrária à PEC 37 é a que se nutre de informações sobre investigações
ilegalmente conduzidas por setores do Ministério Público que investiga o que
quer e contra quem quer, com um único propósito de rivalizar com a Polícia
Judiciária, em particular a Polícia Federal, recentemente escolhida como a
Instituição pública de maior confiabilidade no Brasil, alimentando as páginas
de jornais e revistas e os noticiários dos canais de TV e seus programas
vespertinos e domingueiros.
É a mesma mídia que se alimenta de
milhões e milhões de reias todos os anos oriundos das propagandas oficiais dos
governos Federal e Estaduais, e das nossas Estatais e Empresas Públicas.
O tema "investigação
criminal" quanto mais polêmica tiver, melhor para os interesses das
elites.
Pense, reflita, analise, discuta,
debata e tire suas próprias conclusões.
*atualizado às 13:40 h, 25/06/2013